Amigos, música e chuva – a “road trip” continua
O que é que seria de uma road trip sem uma boa banda sonora?
Nos primeiros dias de viagem na Nimbina demos com uma rádio – a Triple J – que não só não tinha publicidade, como passava 24 horas de música alternativa e independente. À custa disto ficámos a conhecer uma série de bandas e artistas novos, muitas deles Australianos e, a ansiar pelos seus programas diários. Era como se tivéssemos um amigo novo a viajar connosco. Quando a não conseguíamos sintonizar parecia que faltava alguma coisa. Que os sons dos carros a passar, do motor, das músicas do ipod, fossem insuficientes para preencher a ausência. Um mês de vida, a alto e bom som.
Em Port Macquarie tínhamos passado dias preguiçosos de sol a passear na praia, a pôr a conversa em dia e, a comer barbecues deliciosos à beira da piscina dos nossos amigos. Mas, depois desses três breves dias, a chuva começou a perseguir-nos onde quer que fossemos. E nós que imaginávamos um continente Australiano abençoado pelo calor o ano inteiro – realmente não há nada como viajar para entender a realidade…Quanto mais para Sul viajávamos, mais frio e mais chuva parecia estar na ordem do dia e, valeu-nos estar dentro de um veículo onde podíamos fazer a nossa vida abrigados dos elementos, para não termos passado o que provavelmente seriam dias muito miseráveis.
Andar de parque nacional em parque nacional, tinha-se tornado na nossa rotina e motto de viagem para a costa Oeste da Austrália. Do parque de Myall Lakes, uma língua de areia que se estendia por 40 quilómetros – de uma lado com dunas e o Pacífico agitado e do outro, lagos tranquilos onde chegámos depois de uma travessia num ferry. Adormecemos a ouvir o som das gotas da chuva a cair na nossa casa metálica. Na manhã seguinte seguimos para outro parque nacional, o de Dharug, perto das margens do grande rio de Hawkesbury onde dormimos ao fim de mais um dia. No dia seguinte atravessamos o rio noutro ferry, o Wiseman Ferry, e continuámos em direcção às montanhas e ao imperdível parque das Blue Mountains que explorámos durante dois dias antes dos nos aventurar na grande metrópole que é Sydney.
Sydney, a muito custo…
Deixámos a carrinha num parque de campismo de Rockdale, nos subúrbios. Queríamos gastar o mínimo, mas Sydney é uma cidade estupidamente cara, independentemente do que se faça.
O parque de campismo custou-nos 40 dólares australianos por noite, o passe de um dia para os transportes públicos, 22 dólares cada um e, nem sequer incluía todos os transportes, já para não falar no custo de uma sandes e um sumo ao almoço.
É um sentimento que antagoniza o raciocínio lógico: no dia anterior havíamos passeado pelo meio de quedas de água e ravinas cobertas de floresta virgem, parte do Património da Humanidade, sem ver vivalma e sem gastar um centavo e, agora, olhávamos para uma das paisagens urbanas mais emblemáticas do mundo no final do nosso dia de deambulação urbana – a Casa da Opera e a ponte do Porto de Sydney – com cerca de 100 dólares a menos no bolso.
Gostámos de Sydney, talvez porque nos fez lembrar Londres, talvez porque fazia sol, ou talvez porque ser uma cidade moderna e vibrante. Mas um dia de visita tinha sido tempo mais do que suficiente para saciar o nosso apetite por cidades grandes – das quais tivemos já a nossa dose, durante quase três anos, no tempo em que vivemos em Londres.
O grande problema das cidades, sobretudo as grandes cidades do mundo desenvolvido, é que são sítios onde és recordado a cada minuto que tudo gira à volta do dinheiro e do consumo. É fácil esqueceres-te, quando estás rodeado pelas luzes, pelos edifícios modernos, pelas lojas sofisticadas, pelos bares com música alta, pela presença de tantas pessoas, pelos museus, pelos parques relvados, que as coisas que te fazem sentir realmente feliz e te completam mais – não custam nada.
De Sydney a Melbourne, mais amigos e mais parques
Melbourne era o próximo destino. Seguimos a costa pela Pacific Drive, uma estrada que ladeia o mar com miradouros sublimes e que tem uma ponte fenomenal que atravessa o mar de uma encosta à outra durante quase dois quilómetros.
Passámos a noite numa praia de areias brancas e finas e um relvado verde onde ruminavam cangurus – a Peebly Beach, parte do parque nacional de Murramarang. No final do dia vieram-nos cobrar pelo acampamento. Era a primeira vez na nossa viagem na Nimbina que nos cobravam pelo acampamento num parque nacional.
Na noite seguinte, ficámos noutro parque nacional, o das Mimosa Rocks, também uma praia semideserta. De manhã, mais uma vez, vieram-nos cobrar pelo acampamento. Em Peebly Beach onde a área de campismo até oferecia algumas condições pagámos os 10 dólares por pessoa resignados, mas este parque nem sequer oferecia água, pareceu-nos absurdo.
No final acabámos por admitir que tínhamos andado a abusar da sorte e esta, como se sabe, não dura para sempre. Parece que íamos ter que mudar de táctica e de rotina e começar a acampar em sítios com vistas menos panorâmicas.
Entrámos em Vitória, um novo estado, passando por quilómetros atrás de quilómetros de floresta de eucalipto e de pastagens – uma paisagem que se parecia mais ao que esperávamos encontrar na Austrália.
Com o novo estado mudaram também os nossos hábitos de campismo e passámos a dormir em áreas de descaço para condutores, algumas agradáveis e com casa de banho com chuveiros de água fria e, outras, apenas uma faixa ao lado da estrada, com caixote do lixo. Todas elas no entanto, gratuitas.
Antes de chegar a Melbourne fizemos um desvio até ao parque nacional de Wislon´s Promontory, uma área de fauna e vegetação únicas, onde vimos pela primeira vez emus, que são uma espécie de avestruz. Neste parque costeiro, as praias desertas abundavam, recortadas rochas redondas e rosadas. O que abundava também era a chuva fria e o vento.
Continuámos para Melbourne na Princes Highway sob uma enxurrada forte de chuva.
A imagem que temos de Melbourne foi a da casa e do bairro tranquilo onde vivem os nossos amigos, o Pierre, a Jessica e o Felix – o seu filhote. E do Melbourne Cricket Ground onde fomos ver um jogo de futebol Australiano.
Deixámos a cidade sem verdadeiramente a termos explorado. Mas o comforto do lar, a companhia dos amigos, o frio, o tempo cinzento, o bom vinho, a boa comida, as conversas partilhadas até às altas horas da noite…quem é que tem vontade de sair de casa? Fica para a próxima.
A Great Ocean Road
Ali estavam os pilares rochosos no grande oceano com o sol vermelho e redondo a esconder-se no horizonte – os Doze Apóstolos, uma das imagens mais icónicas nos panfletos turísticos da Austrália. Nos promontórios que dão acesso a estes estavam também centenas e centenas de turistas – nós incluídos – vindos de todas as partes do planeta, alternando à vez pelo privilégio das vistas e das fotos em contra luz.
Esta parte da costa Australiana é bonita e, é compreensivelmente considerada uma das estradas costeiras mais espectaculares do mundo. A Great Ocean Road segue numa sucessão estonteante de curva e contra curva durante cerca de 80 quilómetros recortando a encosta e criando precipícios vertiginosos junto ao mar.
Passa também por aldeias pesqueiras e faróis históricos, continuando depois pelo interior sem realmente voltar a oferecer as vistas soberbas dos primeiros quilómetros. Passámos um fim de tarde e uma manhã entretidos a visitar as formações calcárias – Loch and Gorge, a London Bridge, a Bay of Islands e a fotografar pequenas praias e baías aproveitando o sol que tinha decidido aparecer depois de quase duas semanas escondido atrás das nuvens.
O Nuno tinha descoberto um novo passatempo – a pesca, que serviu de desculpa para pararmos nas pequenas aldeias piscatórias de Port Fairy, Kingston, Meningie, Beauport e Robe desfrutando as tardes solarengas nos molhes a olhar o horizonte à espera que os peixes picassem. Eventualmente os esforços deram frutos e passámos a ter peixe acabadinho de pescar para o jantar com regularidade. Foi uma mudança bem-vinda, sobretudo, depois de tantos meses em que a única opção barata para comer peixe era compra-lo enlatado.
Era perceptível pela paisagem e pelas estradas em linha recta infindáveis que o estado de South Australia era mais árido e menos povoado, no entanto, este estado é um dos estado celeiros do país onde existe produção agrícola extensiva. É dele que provêm alguns dos vinhos mais conhecidos da Austrália, os vinhos do Barrosa Valley.
Em Adelaide visitámos outro amigo, o Marcus e, passámos uma noite na casa onde vive com a sua namorada, a Jo. Os 300 quilómetros finais, que separavam Adelaide de Port Augusta foram percorridos num dia e o Nuno regressou a Adelaide com a autocaravana para a devolver à agência de aluguer no dia seguinte. Dávamos assim como terminada a nossa aventura motorizada.
Balanço feito
Os dias da Nimbina chegavam ao fim depois de 5798 quilómetros e de 31 dias. Tinha sido uma experiência boa. Eu tinha-me habituado eventualmente à condução um pouco errática do Nuno, tentando dar o devido desconto de que para quem conduz uma ou duas vezes por ano e, para quem não está acostumado a conduzir à esquerda o rapaz até tinha feito um excelente serviço (sobretudo se olharmos ao facto de que e a carrinha foi entregue sem mazelas de maior).
Ele, por sua vez, tinha-se habituado aos meus ataques de fúria, porque pelo menos duas vezes se esqueceu de que lado é que se conduz neste país e entrou pelo lado errado do cruzamento.
Havíamos sobrevivido também a 24 horas sobre 24 horas na presença um do outro, e esse foi, feitas as contas, o grande desafio. É impossível ter conversa ou entretenimento suficiente para preencher tanta hora juntos por muito que se goste dessa pessoa. Valeu-nos a Triple J e, nos momentos de silêncio, o facto de nos sentirmos tão completos na companhia um do outro.
Viajar na Nimbina teve muitas vantagens: permitiu-nos chegar a sítios que de bicicleta teriam sido difíceis incluir num visto de 6 meses – o país é simplesmente muito extenso e com demasiadas coisas para ver e fazer. Permitiu-nos viajar por estradas menos viajadas e ver sítios fora dos roteiros turísticos. Permitiu-nos não nos sentirmos desmotivados e desabrigados quando os elementos descarregavam sobre nós – nomeadamente a chuva, o vento e algum frio. Permitiu-nos um certo conforto, já que a cama era mais fácil de montar e mais confortável que os nossos colchões insufláveis que temos para a tenda. Permitiu-nos carregar mais quantidade e variedade de comida e água o que significou gastar e uma melhor gestão do nosso orçamento diário. Permitiu-nos, acima de tudo, experimentar uma forma nova de transporte e, alterar, mesmo que por um mês, a nossa rotina de viagem.
Mas andar de carro é, nas palavras do Nuno, como ver o mundo num ecrã panorâmico. E esse ecrã disfruta-se sobretudo com o sentido da visão, todos os outros sentidos acabam relegados para planos secundários.
A nossa experiência a motor foi uma viagem de um ponto ao outro sem sentirmos o que ficava pelo meio e, neste contexto, percebemos que seria fácil, caso continuássemos, deixar a preguiça tomar conta e, fecharmo-nos na nossa cápsula metálica sem dar oportunidade aos sítios e às pessoas para se revelarem verdadeiramente.
Estávamos ansiosos e prontos para voltar a sentir o mundo com todos os sentidos, de o cheirar, de o tocar. Sentir o mundo revelar-se na recompensa do nosso mérito físico e sobretudo de voltar às nossas velhas e fiéis companheiras – as nossas bikes!