Dili. Há males que vêm por bem.
Intensa. Bastante intensa. Esta é a melhor forma para descrever a nossa primeira semana em Timor Leste.
Comecemos pelo facto de termos sido – literalmente – expulsos do East Timor Backpackers em Dili. O quarto, leia-se espelunca, com casa de banho compartida, é supostamente o mais em conta na cidade e, mesmo assim, caro a 25 dólares por noite.
A empregada ou, dona, ou lá o que ela era, que tinha a seu cargo a dificílima tarefa de gerir as reservas dos 5 quartos existentes enganou-se e, apesar de já lhe termos pago a nossa estadia para a terceira noite, reservou, ao que parece, o nosso quarto a 2 pares de pessoas diferentes e, como não queríamos dormir no chão da sala de estar, já ocupado por alguém que tinha ficado sem quarto por razões semelhantes, ou partilhar a cama dupla com estranhos. O Nuno teve de fazer um “tour “ forçado dos hotéis e afins em busca de alojamento alternativo.
Não encontrou nada a preços semelhantes, embora houvesse outros sítios que ofereciam o mesmo tipo de condições ou, melhor dito, a mesma falta delas. Não tivemos outro remédio senão subir a parada para 40 dólares por noite.
A disparidade entre os preços e o oferecido são uma autêntica roleta russa devido á lei da oferta e da procura criada pelo facto de Dili estar cheio de estrangeiros associados aos vários projectos de ONG´s e por parecer que cada hotel tem preços completamente aleatórias a qualquer lógica que se consiga entender.
Neste panorama, o “apart-hotel” Timing, foi um verdadeiro achado com casa de banho privativa, água quente, sala de estar, kitchenette e, atenção ao pormenor: televisão por satélite com a RTP Internacional!
Confortos à parte, descobrimos que os nossos vizinhos eram portugueses a dar aulas na universidade de Dili – a Edite e o Rui – e porque há poucas coisas que saibam melhor do que ”cumbibío”, sobretudo quando se pode partilhar a mesma língua e os mesmo gostos culinários, juntámos a mobília, uns comes e bebes e fizemos umas jantaradas “al fresco” no pátio do Timing.
Aniversário na ilha de Ataúro
Porque, porque calha a todos, eu incluída. Aproximou-se mais um aniversário. Escolhi ir celebrá-lo à ilha de Ataúro, um pequeno paraíso povoado por aldeias de pescadores e recifes de corais a cerca de 30 kms, de barco, de Dili.
Apanhámos o ferry Nakroma. Nós e mais umas centenas de pessoas que, a contar pelas poças de vómito um pouco por todo o barco, não tenham apreciado a travessia marítima da melhor forma. Eu que enjoo com facilidade, preveni-me com um comprimido, este, por sua vez, deixou-me num estado de torpor para o resto do dia mas permitiu também que o meu pequeno almoço permanecesse no seu devido lugar – dentro do meu estômago.
As minhas expectativas de passar um aniversário tranquilo na companhia do meu moçoilo à beira mar alteraram-se quando ao final de dois dias tínhamos já conhecido metade do pessoal que látinha ido passar o fim de semana – a Eva, uma australiana com descendência lituana, de voz rouca, cabelo curto e louro, um jeito meio arrapazado, olhos azuis pequeninos e brilhantes. Uma mulher sem papas na língua, cheia de histórias malucas e um coração de ouro. Uma daquelas personagens que faz de qualquer situação uma festa e uma risada. O Jim, o seu companheiro novo zelandês e a sua irmã a Claire.
Conhecemos também mais portugueses, a Maria, a Dulce, o Heber, brasileiro, todos eles parte de um grupo de voluntários das Nações Unidas; conhecemos também a Joana, de Leiria (este mundo é mesmo pequeno e as coincidências nunca acabam) e o Ivan, o seu namorado, professores em Dili.
De forma mais ou menos improvisada e espontânea acabámos todos juntos a celebrar os meus 34 aninhos de vida. A Eva e o Nuno desencantaram um bolo feito com uns pães de canela onde puseram umas gomas em forma de estrelas e uma vela. O resto do pessoal (des)afinou as vozes para cantar os parabéns a você, que foi diligentemente repetido em três línguas diferentes – o português, o inglês e o tetun. (Não fosse eu esquecer-me de que estava um ano mais velha!)
Timor, cá vamos nós
De regresso a Dili, fomos buscar os passaportes ao consulado da Indónesia, decepcionados por só nos terem dado 31 dias. Um osso que não sabemos bem como vamos roer tendo em conta a área do país e, o facto de este ser o maior arquipélago do mundo composto por mais de 17 mil ilhas. Logo veremos, tudo se resolve.
Regressámos ao hotel Timing e reunimos o pessoal mais uma vez sob o pretexto da despedida. Na manhã seguinte fizémo-nos à estrada debaixo de um sol que já aquecia às primeiras horas do dia. Com as pedaladas à saída de Dili deparámo-nos com a realidade dura e incontornável: o cicloturismo em Timor não é para meninos. Para as nossas pernas algo destreinadas depois de tanta vida boémia, de tanta recta australiana, o relevo sinuoso da ilha, o estado esburacado das estradas, o calor e a humidade, obrigaram-nos a puxar as bikes em algumas ocasiões, (não muitas, só algumas, como disse).
Os poucos quilómetros que aqui pedalámos, cerca de 120, de Dili a Baucau, apanharam-nos de surpresa, a estrada contorna o mar oferecendo vistas soberbas e dramáticas sobre o Pacífico, por vezes subindo pelas montanhas, outras descendo junto à praias de areias brancas e, metendo-se depois por planícies de arrozais verdejantes.
Nas partes em que a estrada segue pelo interior, percorremos aldeias e povoações onde crianças sorridentes gritam eufóricas – “malai! malai! “(estrangeiro, estrangeiro) ou “hello misterrr “ – igualmente dirigido tanto a mim, como ao Nuno. Os mais atrevidos vêem a correr atras de nós montanha acima empurrando as bicicletas ou, a puxá-las, rindo às gargalhadas. Nunca desejámos tanto bom dia e tanta boa tarde, que nos são devolvidos com um sorriso e um acenar de mão, mas nunca com indiferença.
Agora em Baucau vamos aproveitar para dar uns mergulhos e explorar a beleza caótica da segunda maior cidade do país enquanto nos mentaliza-mos de que o mais duro ainda está para vir!