Ou por aí, mais coisa menos coisa. Mais de 15,000 kms pedalados, 10 países, muitos sorrisos, algumas lágrimas, poucos furos, e estamos oficialmente com as agulhas da bússola apontadas para Oeste, a meio planeta, rumo a casa. Rumo a Portugal. Rumo a Leiria e ao seu castelo altaneiro. É difícil descrever de forma sucinta o que foi este ano e meio de pedaladas – mas a palavra intenso e a sensação de estar a viver a vida a cem por cento vêm-nos à cabeça e ao coração.
A Nova Zelândia, das paisagens do tempo em que o homem não andava por aqui, do tempo em que a natureza era senhora e rainha, das montanhas forradas de ovelhas, dos rios glaciares cor azul topázio, dos parques de campismo de sanitas fedorentas, dos estranhos que se tornaram amigos, dos Maori e das suas casas de reunião interditas com esculturas de caras ferozes, das praias desertas e das cidades feias de mundo novo…
A Austrália onde revemos amigos, e onde trocámos as nossas fiéis amigas, as nossas bikes, pela nossa Nimbina, uma autocaravana alugada. Aqui comprovámos que os clichés do surf, da praia, dos cangurus e do deserto são tão reais como tudo o que não esperávamos encontrar e que nos deslumbrou tanto, ou mais, como as florestas milenares no topo de um dos maiores vulcões extintos da terra, da bicharada estranha e exótica que deambulava por todas as partes (incluindo alguns espécimen da raça humana). De regresso às bikes, para atravessar o país pelo centro, dormimos todos os dias debaixo de um o céu pejado de estrelas, como se esticássemos os braços e as pudéssemos alcançar, escondidos por trás do bosque rasteiro, sob solo de terra vermelha. Passámos horas infindáveis com o rabo no selim, sem ver vivalma…E quem diria que no final do deserto, depois de quase 3000 kms pedalados nos aguardava um paraíso das mil e uma cataratas.
O pequeno país que é Timor Leste, tornou-se grande em aventuras e amizades. Na nossa volta à ilha, vivemos do mais duro da viagem a remanescer dos nossos tempos no altiplano Boliviano, mas com toque tropical. Sabor a país pobre, cheio de gente marcada por anos de opressão e vida dura, gente à espera de poder ter esperança e de poder caminhar com as próprias pernas. Nos seus cantos mais remotos encontrámos estradas dos infernos, praias de paraíso e o antigo ponto mais alto de Portugal Ultramarino, o Monte Ramelau. Da generosidade de estranhos que nos improvisaram sítio de pernoita na falta de sitío para esconder a tenda. Depois enamorados por aquele canto de ilha esquecido ficámos a dar uma mãozinha, fizemos amigos e aprendemos uma coisa ou outra sobre uma existência sustentável, daquilo que vem da terra.
Indonésia pedalada à pressa na consequência de um visto mal estudado, ficou-nos a saber a pouco. Ali cada ilha é um país. Flores, a ilha que nos transportou ao tempo dos dragões, ao tempo da vida em tribo, ao tempo perdido no tempo. Da Bali dos turistas, dos resorts, dos surfistas, mas sobretudo dos vulcões e do hindu rocambolesco vivido à beira mar. Em Sulawesi, das casas dos Tana Toraja com os telhados a erguidos aos céus e onde a morte é mais celebrada do que a vida. E claro, a Indónesia dos Pelni, os barcos que unem as ilhas, apinhados de gente e mercadorias onde os dias são longos e onde o mar azul que nos rodeia se torna mais sopurtável do que o mar de gente que nos acompanhou na longa viagem apertada.
O Bornéu da Malásia, onde as estradas roubaram as selvas, onde o sobe e desce foi a constante que marcou o ritmo das nossas pedaladas e o calor e a humidade mantiveram a nossa roupa colada ao corpo. Foi também a terra dos sorrisos reservados das gentes muçulmanas que povoam aquelas paragens e de um primeiro reencontro familiar com o Tiago e o Duarte, os primos do Nuno. Na Malásia de Penang, que revisitámos, foi bom pedalar pelas ruas da cidade Património da Humanidade e reencontrar sabores lusos, no melhor “pito” no churrasco daquele lado do planeta.
A Tailândia das ilhas de paraíso, dos parques das cataratas refrescantes, das cidades caóticas, dos templos dourados, onde o Buda ficaria embasbacado com tanta opulência. Aqui passámos o Natal em família apetrechados de miminhos da terra trazidos nas malas da Elizabete, a mãe da Joana. E depois foi pedalar em contra relógio para fazer os quase dois mil quilómetros do sul do país até à próxima fronteira.
Do Camboja poeirento, dos campos de arroz secos infindáveis, do grande complexo de templos de Angkor Wat onde é fácil perder-se na história gloriosa do país e depois estranhar o regresso ao contraste da vida actual feita de aldeias perdidas no tempo onde a vida ainda é desenhada com traços de simplicidade ao ritmo que a terra vai marcando. O Camboja, o país do Mekong largo e azul e das ilhas no seu leito unidas por longas pontes de bambu.
O Laos sem pressas, onde as ilhas do Mekong são mais de quatro mil, dos olás e dos sabadees constantes, do calor que amolece as pernas e nos obriga à sesta, das grutas longas atravessadas por rios, das estradas tranquilas e dos condutores cuidadosos, das montanhas suaves, das sopas de noodle comidas até ao limite do suportável, das celebrações do ano novo budista onde a água molha tudo menos a boa disposição, da beerlao à beira do Mekong ao final do dia, das cidades vagarosas e das aldeias de barracas à beira da estrada.
O Vietnam onde pouco pedalamos mas onde perdemos o folego nas montanhas que tivemos que subir. Dos reencontros de família, onde a Nela, a irmã do Nuno, veio desvendar o mundo na nossa companhia, e onde juntos, descobrimos um país mágico, feito de baías esculpidas em rochas calcárias onde barcos navegam em águas tranquilas, dos arrozais infinitos, das gentes das minorias étnicas que dão cor às montanhas e de Hanoi, uma cidade onde se respira Ásia a cada esquina.
E pouco menos de um mês de China, mas já com os músculos endurecidos por tanto sobe e desce às portas do Tibete e dos grandes Himalaias, decidimos celebrar ano e meio na estrada a caminhar percorrendo as encostas verticais de um dos maiores desfiladeiros do mundo, o do Salto do Tigre, ou o que o grande Yangtze, o mais longo rio da China, esculpiu no sopé dos picos de mais de 5000 metros que lhe barravam o caminho. Agora que terminámos três dias de caminhada, que as pernas estão bem duridas mas a alma cheia de tanta grandeza que vimos, sabemos e sentimos que estamos verdadeiramente onde queremos estar. Somos seres privilegiados por viver o que estamos a viver, e mesmo com os altos e baixos, físicos e emocionais, a força de continuar e seguir rumo a casa, um ano e meio depois, continua bem viva, embora também, cada vez com mais saudades da família e dos amigos, o que vai servindo de motivação nas longas subidas.
A todos os que nos têm acompanhado, família, amigos, os que nos lêem , enviam mensagens de apoio, os que nos vêem visitar in loco, os que nos dão guarida e amizade pelo caminho, os que nos têm ajudado, um OBRIGADO eterno, esta viagem não faria sentido sem vocês.
E a todos um até já, porque como alguém disse “ Leiria é já ali ao lado”, mais concretamente a uns 15000 kms, ano e tal, muitas montanhas, muito frio, muito calor, muitos sorrisos, muitas aventuras e sobretudo muito bons ventos (ou assim esperamos) de distância.