Cristiano Ronaldo! Bagus, bagus
– Hello mister where are you from?
– Hello! From Portugal.
– Ah, Portugal! Cristiano Ronaldo! Bagus, bagus (bom, bom)!
Sei muito pouco acerca de futebol e confesso que os jogadores deste desporto não são os desportistas que mais admiro, no entanto, tenho que admirar a função que cumprem como embaixadores do país. Seria tarefa difícil tentar enquadrar Portugal nos conhecimentos geográficos de gente que vive tão distante, sobretudo com o domínio tão limitado que o Nuno e eu temos das línguas locais. Mas às vezes receio que como os futebolistas parecem ser as únicas personalidades pelos quais Portugal é conhecido nestes cantos do planeta que as pessoas imaginem que se trata de um clube de futebol e não de um país propriamente dito.
Versões asiáticas do Cristiano Ronaldo abundam por estes lados, ele é indubitavelmente um ícone que dita as modas e os cortes de cabelo, não sei muito bem se isso é coisa boa ou má. No entanto eu gostava que Portugal fosse conhecido por outras coisas e outras pessoas, já que do nosso pequeno e distante país veio e, continua a vir, gente grande como o Infante Dom Henriques, o Vasco da Gama, o Pedro Alvares Cabral, o Camões, o Santo António, a Amália Rodrigues, a Maria João Pires, o Fernando Pessoa, o Saramago, a Rosa Mota, o Carlos Lopes, a Paula Rego, e podia escrever uma página inteira de nomes que não estaria completa.
E vem também o pastel de nata, o vinho do Porto, o azeite, a cortiça, as melhores sardinhas do mundo, a morcela à moda de Leiria…mas e explicar isto em bahasa indonésio? Por agora, fiquemo-nos então pelo Ronaldo e esperemos que a seguir a ele venha outro tão bom ou melhor, para que em vez de assentimentos não venha um – “e onde raio é que fica isso”?
Famosos em terra alheia
Os Indonésios são gentes amistosas e simpáticas, embora por vezes pueris, ao ponto de parecerem crianças em corpo de gente grande. Quando se viaja por sítios onde os turistas não poem pé, o que na Indonésia é relativamente fácil, andar nas ruas é possivelmente o mais próximo que estaremos alguma vez do estatuto de celebridade, toda a gente nos cumprimenta, todos querem tirar fotografias nossas com os seus telemóveis, que certamente irão parar ao Facebook.
Das portas e das janelas assumam-se curiosos para nos ver passar. É uma sensação estranha. Parar em qualquer esquina numa rua onde há bancos e cadeiras improvisados para saborear um “kopi “- a melhor descrição desta bebida talvez seja açúcar com café – é a forma simples de ver a vida passar, de fazer amizades efémeras e aprender mais umas palavras de bahasa Indonesia, que nunca serão as suficientes para propiciar grandes tertúlias mas certamente nos ajudam a criar pontes e a ser motivo de risadas.
Erros de cálculo, encurtam-nos a viagem
Um erro de cálculo encurtou-nos a estadia na Indonésia, um país que exploraríamos por mais tempo de bom grado. Em Timor tínhamos conseguido um visto de 30 dias, com a possibilidade de o estender por quatro meses. No entanto não nos explicaram que esse mesmo visto era um visto social e como tal teríamos que encontrar alguém que nos patrocinasse cada vez que o desejássemos estender.
Mais simples dito do que feito. Quem é que quer ser responsável por estranhos que não conhece de lado nenhum?- Ninguém, é lógico!
Chegados a Makassar na ilha de Sulawesi, depois da experiência marítima no Tilongkabila, decidimos seguir para Pare-Pare porque sendo uma cidade mais pequena os procedimentos no departamento da emigração seriam mais simples e rápidos e, precisávamos de estender o meu visto. Ou estes foram os nossos cálculos que saíram redondamente errados.
Não encontrámos ninguém que nos quisesse patrocinar. Um patrocinador geralmente materializa-se na forma de uma agência de viagens que esteja habituada a lidar com turistas estrangeiros. E depois de percorrermos as várias agências onde ninguém falava inglês, muito menos estavam familiarizado com o procedimento, desistimos. Estava lida a sentença: restava-nos pouco mais de uma semana no país.
Com opções limitadas pela falta de tempo, agarramos nas mochilas e seguimos rumo às montanhas por quatro dias, para o território dos Tana Toraja.
Momentos “Indiana Jones”
A vida de um viajante, mais cedo ou mais tarde, acaba por incorporar um ou outro momento Indiana Jones. Embora, sem o espalhafato e a pompa característicos das produções de Hollywood. Um momento Indiana Jones por exemplo um daqueles quando se entra numa caverna escura e nos cai um esqueleto em cima, ou quando o chão se enche de insectos rastejantes que te começam a subir pelas pernas , ou quando ratazanas esfomeados saem por entre as ruinas de uma tribo perdida no meio da selva. Há também o momento em que se tem que comer miolos de macaco quando este ainda está vivo, mas momentos deste tipo como disse, só costumam acontecer na imaginação dos realizadores de Hollywood.
Um momento Indiana Jones para mortais comuns é, por exemplo, dormir num quarto infestado de baratas, ou sair de um restaurante onde se comeu cão sem se saber, ou ter que comer miolos de ovelha ainda na cabeça do animal, com lã e tudo sem ter como recusar sob risco de causar ofensa – esta situação aconteceu-nos na Bolívia. Ou, como nos aconteceu recentemente, o entrar numa caverna escura e claustrofóbica cheia de caixões meio abertos e com ossos por todo lado – verdadeiros, que não nos caíram em cima, mas quase.
Na terra dos Tana Toraja, os costumes são outros!
Alugámos uma motoreta por três dias para explorar o território fascinante, embora algo mórbido dos Tana Toraja. Este povo vive nas montanhas do sul de Sulawesi, e ao contrário da maioria do Indonésios, praticam o catolicismo misturado com muito rituais e crenças animista.
Faço a analogia das suas crenças e rituais aos egípcios no tempo dos faraós porque também os Toraja acreditam na vida após a morte e fazem das cerimónias fúnebres um evento social e familiar de grande vulto, onde dependendo da importância do defunto em termos económicos e sociais, se sacrificam um número considerável de búfalos, porcos, galinhas e outros animais. Os convidados são às centenas, desde familiares a vizinhos e, as cerimónias fúnebres duram mais de um ano entre a morte da pessoa e a preparação da sua alma até ao seu descaço final no além.
Nos dias que correm os muitos turistas que visitam a região também fazem parte dos convidados. As agências locais fazem dinheiro a levar visitantes às cerimónias fúnebres. Nós, nas nossas deambulações motorizadas, deparámo-nos com uma luta de búfalos e com uma cerimónia mais modesta, prescindindo, como já é nosso hábito, do bendito guia turístico. Nada como deixar o acaso ser o guia e poupar umas coroas no processo.
Aspectos culturais algo mórbidos de lado, esta não deixa de ser uma zona bonita, mesmo que parte da sua paisagem esteja transformada pelo homem. Entre montanhas e vales férteis de encostas forradas com arrozais, as linhas onduladas que delineiam os seus terraços são esculturas de água, verde e pedra. As tradições deste povo estão bem vivas, o mesmo não se podendo dizer daqueles a quem estas celebram.
Nas faces da montanha onde apenas existe pedra ainda se esculpem tumbas para guardar os defuntos na sua ida para a eternidade. Ao longo das estradas de montanha vão-se vendo também pequenos e grandes jazigos. Em qualquer canto se encontram pequenos cemitérios, é-se relembrado constantemente da nossa mortal condição. Mas, ao contrário das sociedades do mundo ocidental, onde a morte é um tabu, aqui ela é a celebração do que se alcançou em vida, é o assegurar do futuro para as novas gerações, com tudo o que se herda, é o fortificar dos laços familiares e sociais.